Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta #agoracontoeu

Quem tem medo da democracia?

Quem tem medo da democracia? Não há nada mais perigoso do que uma boa ideia posta em prática por gente fraca, irresponsável e dotada de uma cartilha de valores, no mínimo, questionável. Refiro-me à União Europeia, é claro! A União Europeia assenta as suas origens em ideias valorosas e realmente positivas, a que ninguém, de perfeito juízo, pode estar contra: a paz e a livre circulação de pessoas e bens dentro deste espaço comum. Como em tudo na vida, de nada serve uma boa ideia, se esta for posta em prática de forma pouco inteligente. É do senso comum que qualquer união só valerá a pena se a soma for maior do que as partes: é assim que funciona com as pessoas, e é assim que funciona com as organizações. E é claro que quem se junta com outro, e aqui até podemos entrar na natureza das relações humanas, tem de estabelecer um conjunto de regras, fazer um determinado número de cedências, para que essa mesma união seja possível. Pesados os prós e os contras, o resultado dessa união, isto n

O colchão dos ricos, a confiança e o cheque em branco

O colchão dos ricos, a confiança e o cheque em branco Ninguém tem dúvidas que uma das vantagens da democracia é a sua capacidade de regeneração e ajustes contínuos em função dos tempos, das necessidades e da vontade coletiva. Nenhum outro sistema protege desta forma a sua sobrevivência e se estudarmos a história, todos os outros tipos de governo faliram por não se conseguirem propagar nos anos ou sobreviver à ausência do seu ditador. Até na China, um sistema tão complexo que nem me atrevo a explorar a fundo, a manutenção do sistema atual só é possível pela sua capacidade de se projetar nos tempos, quebrando dogmas e barreiras que confundem aqueles  que ainda estão enclausurados dentro de fronteiras ideológicas. No entanto, a nossa civilização assentou e assenta no pressuposto que a palavra democracia só se poderia associar ao sistema capitalista, mesmo que controlado, em oposição ao sistema comunista, completamente controlado pelo estado. Em boa medida, todas as democracias

A parábola da galinha e da vizinha

A parábola da galinha e da vizinha Conta-se por aí que num certo tempo, num qualquer país por aí, havia uma família que tinha uma galinha. A galinha era magra como os seus donos e, nem estes tinham comida para dar à galinha, nem a galinha por ser tão esquelética, lhes servia de comida. A certa altura uma vizinha, que passava pela porta daquela família, ao ver a galinha tão fraca e magra, começou a deixar um pouco de milho todos os dias. Ao fim de algum tempo, a galinha foi naturalmente engordando e passados alguns meses, não mais do que três, as cores vivas voltaram às suas penas e a carne voltou a envolver os seus ossos. Naturalmente, todos ficaram agradecidos com a generosidade da vizinha, pois se ajudava a galinha também os ajudava a todos. Claro que galinha gorda em tempo de fome tem o destino traçado. No entanto, esse destino, com cheiro a cabidela, foi sendo adiado a pedido da própria vizinha. A galinha estava mais gorda do que nunca, mas a família continuava magra, já que c

Crónicas antigas - A Mesa Do Café Da Rua 38

Imagem
A Mesa Do Café Da Rua 38  Todas as manhãs o mesmo ritual. Obedecendo fielmente a uma sucessão de movimentos cristalizados pela repetição e pela ordem. Um rito…uma oferenda a um Deus maior. Passo a passo, mecânico, numa mnemónica aprendida num tempo ou então no seu templo. Entrava; sentava-se; pousava o chapéu na mesa; pedia o café com um gesto seco; agitava de forma também maquinal a saqueta do açúcar. Pegava na colher e mexia o café somente duas vezes, como se no seu íntimo não desejasse uma dissolução completa e secretamente procurasse o prazer final do açúcar restante. No entanto, não me lembro de o ver pegar na chávena para beber. A partir daí, desligava a corrente do real, como se entrasse numa outra dimensão. E eu com ele. Todo ele absorto, indiferente à vozearia das restantes mesas e ao meu olhar fixo e pouco dissimulado. Abria o caderno preto de modo cerimonioso, olhava por momentos pela janela, não parecendo importar-se com o seu próprio reflexo que turvava a realidad

Crónicas antigas - Um brilho no escuro – TP - 13/12/2013 (publicado pela altura da morte de Nelson Mandela no Jornal Tribuna Pacense

Imagem
Um brilho no escuro – TP - 13/12/2013 Acordou de noite sobressaltado, ouvindo uma voz sussurrada ao fundo, não conseguindo identificar, ao certo, a sua origem. - Tu mudarás o Mundo! Não acreditou muito naquela voz, pois como seria possível uma pessoa mudar o Mundo, principalmente uma criança que vivia num país tão complicado, a quem nem o nome original lhe deixaram ficar. O seu país, lá para os lados do Sul da terra mãe, levava as cores muito a sério e viviam todos separados de acordo com a cor que nasciam. Haviam cores, que eram tratadas de modo privilegiado, como se fossem mais importantes do que outras. A cor da pele era sinónimo de riqueza e quanto mais escura, menos importante se tornava. Os serviços públicos também eram diferenciados pela cor dos seres humanos e mesmo os lugares dos autocarros eram também ocupados de acordo com a cor da pele: quanto mais escuro, mais atrás se tinha de sentar. Havia mesmo grades a separar aqueles mundos de cores diferentes. «Que est

…a realidade e a ficção (27/08/2015)

Imagem
É cada vez mais difícil distinguir o que é a realidade do que é ficção. O que era realidade transforma-se em ficção e o que parecia ficção transforma-se assustadoramente em realidade. Para quem escreve isto é verdadeiramente um desassossego: pensamos que estamos a criar algo novo e somos subitamente acordados com a realidade, uma realidade suficientemente parecida com que imaginamos, de modo a mandar o que escrevemos para o lixo. A ficção é a verdade assente na mentira, isto é: o possível e verosímil daquilo que simplesmente não é verdadeiro. Não tenho um crocodilo como animal de estimação, mas se tivesse teria de criar o seu espaço, teria de o alimentar, passear, e entretanto … esperar não ser comido. A imaginação só têm rédea solta até certo ponto; há sempre uma âncora que nos prende aos nossos valores e vivências e que por isso nos limitam. A ficção assenta assim em algo que apesar de não ser real, poderia muito bem ter sido ou poderá ainda ser, caso se verifiquem determinados par

Agora conto eu - No precipício de uma folha em branco

Agora Conto eu... " A Abelha Vaidosa - publicado no Tribuna Jornal a 27-06-2014

Imagem
A Abelha Vaidosa Os leitores mais atentos terão reparado que a crónica do mês passado não estava assinada…até correu bem, já o que o título era “Esqueci-me…” e realmente, há coisas que nos escapam, mesmo quando temos a preocupação de tudo controlar. Ilusão! Não conseguimos controlar tudo e por vezes é muito bom que assim seja. Para mim é sinal de humanidade, para outros … uma boa desculpa. Mesmo assim, aqui fica a minha explicação. Nesta minha recente vida de pai e de contador de histórias, por vezes, é difícil acordar a imaginação para criar uma história fresquinha, apetitosa e comestível para uma criança de olhos brilhantes, que está à espera, nada menos, do que uma história genial, capaz de ombrear com as grandes histórias da literatura infantil. Apesar de difícil, é uma das tarefas de pai que me dá mais prazer: adormecer a minha filhota ao som de uma boa história, inventada no momento, à vela da narrativa espontânea, com personagens muito a propósito e com a ouvinte / crítica mai

O título é… esqueci-me

Imagem
Agora conto eu (texto publicado no Tribuna Jornal a 30/05/2014, ironicamente não assinado por esquecimento.) João Cunha Silva O título é… esqueci-me Sempre fui muito distraído. Ou me esqueço da luz acesa, ou não me lembro onde deixei as chaves do carro, ou me esqueço da carteira, ou… sei lá… agora mesmo esqueci-me do que ia dizer… está aqui na ponta da língua, mas parece que se recusa a sair. Agora também já não importa. Sempre vivi desta forma, esquecendo-me das coisas, perdendo outras, encontrando-as depois, principalmente quando já não preciso delas. «Acontece…», costumava eu dizer! Pois, o que mais fazer nestas situações… não se pode mesmo fazer nada e até conseguia viver assim. Não me incomodava assim tanto. Obrigava-me a um difícil exercício mental e a um estado de alerta permanente, despertadores e alarmes em duplicado. Mas com meia dúzia de truques na manga, o dia-a-dia tornava-se suportável e ninguém se apercebia, a não ser um número muito reduzido de pessoas muit

#12 Agora conto eu… “Tenho uma baleia na banheira!”

#12 Agora conto eu… “Tenho uma baleia na banheira!” João Cunha Silva «Ajudem-me! Tenho uma baleia na banheira!!!!!» Foi assim que acordei numa manhã cinzenta de dezembro. Agora que penso no assunto, não sei muito bem se foi um pesadelo ou um sonho, porque a baleia não é um animal que provoque medo imediato. Acho que foi só mesmo o susto de ter uma baleia na minha banheira que me fez acordar sobressaltado. Meio ensonado e ainda a pensar porque haveria eu de ter um sonho assim, calcei os chinelos e fui ao quarto de banho. Tentei abrir a porta, mas parecia que alguma coisa a impedia de abrir. Forcei, forcei e de seguida empurrei, empurrei, até que muito a custo lá se abriu uma pequena frincha por onde espreitei. Saltei de espanto! Afinal não tinha sido nem sonho nem pesadelo! «Socorro, Ajudem-me! Tenho mesmo uma baleia na minha banheira!» Desato a correr em círculos, ainda meio atarantado. Belisquei a mão (ato muito usual para quem pensa que está a sonhar) e reparei que me doeu

#5 Agora conto eu…“A pedra mágica”

#5 Agora conto eu…“A pedra mágica” Conta-se por aí que no meio das brincadeiras de um domingo de sol, o outono apareceu fresco a pedir um agasalho e um chá bem quentinho. Não dava para longas aventuras pois os dias eram já curtos, mas o jardim da avó, que ficava bem pertinho, era sempre um bom local para esta pequena curiosa explorar e brincar nas horas mais quentes.  Escondeu-se e encontrou quem se escondia. Contava os números com prazer redobrado, de um a trinta e depois partia para descobrir a avó, que estava sempre no mesmo sítio. No meio de tanta risota e corrida, a sua cara refletia alegria e os seus olhos eram espelhos de luz. Ela era assim quando não tinha as suas birras: contagiava a natureza sempre que sorria e a natureza parecia sorrir de volta. Entendo, assim, a justiça do que aconteceu, a natureza sabe recompensar quem a ama e a usa para amar. Assim, no meio do jogo das escondidas, numa das vezes que procurava a avó, ficou parada a olhar para o chão sem fazer qual

#3 Agora conto eu… “O Rei que não tinha castelo”

#3 Agora conto eu…  “O Rei que não tinha castelo” Era uma vez um Rei que não tinha castelo. Achava que não era necessário para a sua função. Vivia numa casa igual à dos restantes habitantes. Dormia também numa cama igual a todas as outras pessoas e a sua comida em nada diferia do que se comia por todo o reino. As suas roupas eram também perfeitamente normais e de coroa apenas tinha uma calvície avançada para a idade. No entanto, mesmo sem pompa e circunstância, todos o respeitavam como Rei e admiravam a sua dedicação e inteligência com que governava o reino. O Rei era fiel no seu trabalho de ser rei, era justo e reinava bem e por isso a população era empenhada e disposta a colaborar no que fosse necessário, para tornar o reino um sítio cada vez melhor para viver. O Rei cobrava impostos também justos: apenas os necessários para que o seu reino fosse um lugar culto, limpo e seguro. Um reino que tratasse as suas populações, dos mais novos aos mais velhos, com dignidade e respeito. Er

#1 Agora conto eu... “Quando eu for grande!”

Era um dia especial na escola e sempre que era um dia especial o Luís tinha muita dificuldade em adormecer. Ficava de olhos presos no teto a antecipar, minuto a minuto, como seria o dia seguinte. Desta vez tudo era um pouco mais complicado, pois era o Dia das Profissões. Ele não sabia o que queria ser quando fosse grande. Como podia? Apenas tinha sete anos. Os seus colegas não tinham dúvidas: polícias, médicos, engenheiros, professores… mas o rapaz não sabia. -E se depois não gostar de ser uma daquelas coisas? É uma decisão importante! -pensou o rapaz. – Se não gostar vou andar toda a vida rezingão e maldisposto como anda o Sr. Gomes da mercearia! – Disse baixinho para o seu urso de peluche. De certeza, que ele se tinha arrependido da sua escolha. Gordinho como é, imaginou-o de avental branco a cantar de boca bem aberta: Ladónimobilé! Não conseguiu deixar de sorrir para o urso castanho, já remendado, esperando em vão a sua risada de volta. Aqueles pensamentos deram-lhe sono e foi ass

#11 Agora conto eu… “Cabelos cor de vento”

#11 Agora conto eu…  “ Cabelos cor de vento ” No final daquela rua havia uma casa vazia. Uma casa de uma cor qualquer que o tempo se encarregou de apagar. Porventura seria branca ou talvez amarela, mas isso agora pouco interessa, porque não é a cor exterior que torna mais ou menos interessante uma casa, mas sim o que se passa no seu interior: as pessoas, a vida que albergou. É disso que quero hoje falar. Conta-se que aquela casa, quando ainda tinha cor, era habitada por uma mulher com cabelos cor de vento. Todos a conheciam por aquele nome e era fácil saber porquê: os seus cabelos ondulados, esvoaçavam como papagaios de papel, ao levantar-se a mais pequena brisa, ganhando assim a cor que o vento traz. Saía todos os dias daquela casa, com cor das marés, e ficava a olhar as ondas do mar que, numa luta contínua, golpeavam de forma assertiva as dunas onde se sentava. Imóvel, permanecia em silêncio, ouvindo os murmúrios borbulhantes da espuma das ondas.  Ao longe, ao ver aq