Crónicas antigas - Um brilho no escuro – TP - 13/12/2013 (publicado pela altura da morte de Nelson Mandela no Jornal Tribuna Pacense
Acordou de
noite sobressaltado, ouvindo uma voz sussurrada ao fundo, não conseguindo
identificar, ao certo, a sua origem.
- Tu mudarás o
Mundo!
Não acreditou
muito naquela voz, pois como seria possível uma pessoa mudar o Mundo,
principalmente uma criança que vivia num país tão complicado, a quem nem o nome
original lhe deixaram ficar. O seu país, lá para os lados do Sul da terra mãe,
levava as cores muito a sério e viviam todos separados de acordo com a cor que
nasciam. Haviam cores, que eram tratadas de modo privilegiado, como se fossem
mais importantes do que outras. A cor da pele era sinónimo de riqueza e quanto
mais escura, menos importante se tornava. Os serviços públicos também eram
diferenciados pela cor dos seres humanos e mesmo os lugares dos autocarros eram
também ocupados de acordo com a cor da pele: quanto mais escuro, mais atrás se
tinha de sentar. Havia mesmo grades a separar aqueles mundos de cores
diferentes. «Que estranho e injusto pensava!» Uma das palavras mais difíceis
que aprendeu a soletrar na escola, mesmo sem saber muito bem o significado,
apesar de o viver diariamente, foi a palavra SE.GRE.GAR. Como poderia um menino
mudar o Mundo, que o considerava inferior só pela cor da sua pele?
Cresceu
revoltado com tanta injustiça e estupidez primária e interpretou aquela voz,
que ouvira em criança, como um apelo à luta intransigente pelos direitos do
povo do seu país. A sua determinação acabou por o levar à prisão, porque os que
separam, não querem livres aqueles que tentam unir. O seu corpo ficou
aprisionado durante vinte e sete anos, mas durante todo esse tempo, a sua voz,
num voo místico ancestral, sobrevoou as consciências dos que se dizem humanos e
mais humanos eles ficaram. As suas palavras foram um brilho no escuro, uma luz
guia pacificadora num Mundo de trevas que ameaçava ruir.
Um dia as
grades partiram, mas ele já estava livre, principalmente de ódio e rancor. Tornou-se
no pai de todos, independentemente da cor, libertando mesmo aqueles que o
tinham aprisionado. Aquela voz tinha agora sentido: ele tinha mudado o Mundo!
Ao longo dos
seus últimos anos, ensinou-nos uma palavra que muitos ainda teimam a não
conseguir soletrar: CON.GRE.GAR.
RIP TATA - Os heróis nunca morrem!
João Cunha Silva
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