Mensagens

E se me deixo levar

E se me deixo levar, Ondulante e leve, Ao som que seduz, Sou eu que não querendo quero Esse Inevitável abismo, Que sempre procuro E me liberta do peso De cada dia que passo Agrilhoado, escravo, Refém dos dias e desta Vontade sempre pouco lúcida Que em sombras me acerca de ir arrastado pelo vento que sopra novo. Quero o vislumbre do céu azul, Uma nesga que tudo permita sonhar e Que traga, nesta escuridão em que me encontro, a cor nítida de um ar fresco. Mas, a esta hora já não há luz, A noite cerrada envolve-me No seu agasalho gélido e mudo, e me embala. Shantih shantih shanti Jcs 2019

Poema em três atos

Poema em três atos Ato 1 Eu, poema,  desfiz-me no ácido dos dias e  tornei-me útil,  pronto a vestir de uma dor qualquer, Bocejo rápido,  contagiante como todos,  e terrivelmente banal,  de uso mezinha,  prescrição de vão de escada,  que por servir para tudo,  não serve para nada. Ato 2 Eu, poema,  pensei ser flor neste mundo cru,  o lírio branco  que enfrenta a noite sôfrega que o envolve,  aquela pequena luz bruxuleante  que Sena anuncia nas diferentes línguas,  (como se fosse por falta de entendimento  que nos tornamos pedras.) Ato 3 Eu, poema,  já  na efervescência final  que me come as aparas  e me rói os ossos,  submeto-me, sem aplausos,  ao fechar de panos  e ao inevitável silêncio. Aqui já não há “encore”. (C) João Cunha Silva 

Ode ab initio

Ode ab initio Em cada regresso, um recomeço Em cada regresso, reconstruir. Em cada regresso, erguer peça a peça Como se fosse a primeira vez. Em cada regresso, votar ao início. Aqui não há lamento de Sísifo; Só por saber que muito vou repetir Só por saber tudo o que vou refazer. Só já tenho a vontade Do novo maravilhoso que Me dilata as pupilas e faz o Sangue correr mais rápido.

Suave melancolia

Suave melancolia Que me leva os dias E me traz ondas onde nasço e logo morro. Suave melancolia Porque nada dura, apenas a espuma fica, brilhante, porém efémera, que logo de desfaz e de novo nasço e morro na cadência certa, tormentosa e cruel. Suave melancolia Em que desenho o som do mar na areia virgem. jCS/2018

E o poema?

E o poema? E o poema, desabafo? Grito, confissão ou pedido? Mero diz por dizer, quem sabe? Nada sério ou concreto, é certo! Ou um derradeiro decreto! E o poema, súplica? É para ti? Ou apenas verbo de mim? Palavras clamando por outras, Um grito escondido à espreita, Que ninguém suspeita. E o poema, enigma? Palavras entrincheiradas No socalco da linha Onde, entre muros se escondem significados sombrios e escuros. E o poema, luz? Que liberta da mais cerrada treva Que alenta e desperta Que acorda e que rega A planta que jaz morta. E o poema, trilho!

Ser sem ser

Ser sem ser Sei que tudo tem o seu tempo, e que barrar o rio, é apenas querer parar o que é inevitável (constatação fraca, ilusão apenas) Qual o mal disso? Um instante, um breve momento... Haverá mal em pensar ser mais, ir mais longe, fazer um pouco mais... nem que seja por instante, apenas ousar peça que não encaixa como este verso Sei que não sou luz, sou caverna com uma luz ao fundo, que insiste em não se apagar, trémula, inconstante, quase sempre fraca, mas por momentos intensa e ofuscante. (ilusão apenas) jcs/01-2018

O papel

O papel (parêntesis um) Estou ciente da responsabilidade de não deixar mal quem me convida à escrita, mas o meu espírito livre levou a que não perguntasse o estilo, tema ou mesmo o limite. Senti-me ainda mais honrado por isso mesmo: pelo respeito pela minha vontade de escrever, pelo respeito pela minha liberdade de escrever e pela coragem que isso representa. Bem haja Gil! Agora, abram-se as portas do céu ou talvez do inferno. O leitor julgará! (parêntesis dois) Este texto não vai ter interesse nenhum! Ficam desde já advertidos aqueles que pensavam que iam encontrar um texto sobre os grandes assuntos do dia e avisados aqueles que julgaram que estas palavras seriam um lavar de alma, um eco das suas próprias palavras pensadas. Não será nada disso, mas por via das dúvidas, fiquem um pouco mais por cá, nem que seja para me arruinar com críticas furiosas, ditadas pelas pontas inquietas dos vossos dedos. Aos que ainda estão curiosos e interessados, mantenham-se atentos, esta ainda n...

Pantomima

Pantomima Entre dois olhares, Desejo, Angústia certa, Que aperta E desfaz! E regressa, Curioso... Entre dois olhares A vida, Ora cheia e semântica. Ora ridícula e vazia. E isto é, afinal, apenas nada. Folhas que caem, Tempo que se gasta, Carne que morre. E o olhar, Aquele primeiro olhar, Que traz o brilho do sonho em anexo, Aquele que incessantemente busco, Não mais aparece. Fecha-se o pano, aplauda o público. Por hoje, a peça acabou. João da Cunha / 2017

wise nonsense

Wise nonsense Um sorriso, uma flor, um beijo, e um soluço puxado da lágrima que cai E me atira ao frio da pedra. Estremecer, frio Sonhar que aquece Pedra chão Pedra casa Frio meu Frio pedra Um beijo, um sorriso, uma flor e perder-me num abismo das cores, querer cair onde não há chão Repetir Cair sempre Cair cor Abismo chão Uma flor, um beijo, um sorriso e uma imagem para sempre guardada Momento eterno Tempo pára Tempo pára Tempo não pára! João da Cunha/2017

Tempo melancolia

Tempo melancolia Quanto tempo aguento? Quanto tempo falta para não ter mais tempo nenhum? Quanto tempo falta para ter o tempo todo? Quanto tempo falta para que os olhos brilhem e se espantem? Quanto tempo falta para sorrir e me deixar levar no riso? Quantas horas, minutos, segundos me restam esperar para respirar de novo Quanto tempo me deixarei ficar, aqui, submerso nesta água que arrasta os dias pelas ruas da melancolia, e me lembro, num assombro de realismo, que no meu relógio não me falta segundo, minuto ou hora alguma, que o tempo está todo aqui e agora e que o brilho reaparece, assim que olhar no ângulo certo. João da Cunha /2017