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Há um pássaro que de manhã me acorda

Há um pássaro que de manhã me acorda Num chilrear de alegre canto E eu, surpreso, não pelo canto, Mas sim, surpreendido Com o meu próprio espanto. Como se não fosse normal Um pássaro cantar E eu, de habituado, Não me espantar. Há! Como é bom sentir Que afinal, ainda me espanto, Que os sentidos, afinal, Ainda me trazem, logo pelo espreguiçar do sol nuances sonoros, tons melódicos, e me recordam que viver, é sentir; é reagir; é sair da gruta; é lamber com gula todos os raios de sol e sorver uma a uma todas as gotas da chuva. Não pares, pássaro, Continua a tua missão De me saber vivo, Ciente de que existo E, nem que seja só Pelo som do teu canto, Lembrar a minha humanidade. JCs2017

Expira

Expira, Solta de um só lanço o ar cansado, Esse ar sujo, macilento e pesado. Inspira, Deixa-te preencher na cadência certa, pelo aroma da rosa que te desperta. Expira, Liberta-te do peso do ar rarefeito, Que estreito te comprime o peito. Inspira, Há no ar novo uma força que arrasta, Cheio de promessas efémeras que o tempo logo afasta. Expira, Inspira, Expira, Inspira. JCS2017

Eliminar o mofo

Eliminar o mofo Sofrer é ver antes a inevitável tempestade que nunca vai abrandar. Sofrer é antever o trovão sem ver o raio E nada ser capaz de fazer para o parar. Sofrer é ver o mundo num regresso óbvio, Catástrofe em tempo real…tão real…tão real. Calem-me o gajo! Prendam-lhe as mãos, Retirem-lhe a coroa e ceptro … Afastem-lhe a mão dos botões. Afastem-lhe a mão dos botões. Com bolos se enganam os tolos E todos gostam de bolos, mesmo que feitos por tolos Dá para pensar… Dividir para reinar Dá que pensar Será assim tolo Aquele que por tolo Se faz passar? Mesmo assim… Afastem-lhe a mão dos botões Enquanto penso para com os meus Que a culpa é também toda minha Que não me levantei, Que não me importei E que com o meu ar de superioridade abri caminho ao bisonte albino. Que na sua irracional esperteza Na sua estupidez galante Nos levará, de novo, a uma guerra errante. Ainda há tempo! Há que chamar alguém Que lhe dê o antibiótico certo. Por vezes penso, Se...

Diário de um vagabundo chamado Billy Tord ou viagens ao sótão panorâmico 1

Diário de um vagabundo chamado Billy Tord ou viagens ao sótão panorâmico João Cunha Silva 19 de Janeiro de 1973 Dizem que não necessitamos de nada que não seja dado pela natureza. Acredito mesmo que para matar o tempo livre começamos a inventar coisas supérfluas, só para nos entretermos e fugirmos daquele medo ancestral de estarmos sozinhos. A verdade é que não nos suportamos. Seria cansativo e odioso conseguirmos viver connosco próprios. A dependência dos outros é assim a droga mais viciante, mesmo que o outro esteja lá apenas de corpo presente, sem se mexer, como uma jarra com plantas artificiais e para sempre mortas no seu interior. Detestamos também a sensação de termos que lidar com as nossas falhas e preferimos sempre que seja alguém a apontar, uma a uma, essas mesmas falhas. Penso mesmo que se não fossem essas anormalidades comportamentais, passaríamos pela tempestade dos dias sem que notassem a nossa presença. Aprendi a estar sozinho. Continuo a aperfeiçoar essa arte n...

A escama dourada de João Cunha Silva

Pastilha para a insanidade (tomar apenas a dose recomendada)

Pastilha para a insanidade (tomar apenas a dose recomendada) Outra palavra se faz Da sua inútil utilidade palavra para sítio certo que cumpre o que diz, sem saber que o faz. Palavra operária Escrava de horas, Que se levanta e se deita Na linha, ao ritmo bafiento Da rotina apressada, Palavra da palavra, Que apenas diz o que diz E mais nada. Quero a palavra brinquedo, A palavra de certo recreio, Que me faça brincar com ela. Sem medo e sem receio. Quero a palavra pincel, Que pinte tudo sem ordem, Rabisque sem ter destino, Até não ter mais papel. Quero a palavra do sonho A palavra que traz a magia Essa, é a única que nos ajuda A viver por mais um dia. JCS 2016

Uma palavra

Uma palavra Brinca no ar Soprada de lado para lado Leve, fresca Brinca, rodopia Brinquedo de menino Grande ou pequenino Descansa cansada na folha Finge ser orvalho de uma manhã fria Que depressa escorre até ao rio, até ao mar só para depois voltar a brincar no ar. JCS 2016

Feira do Livro do Porto

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Há na rua por onde passo

Há na rua por onde passo Há na rua por onde passo uma porta de cor vermelha. Todo o dias a vejo Naquele sorriso tímido Escondido no vestido escarlate Juro que fala E me diz bom dia Respondo, é claro! Não fica a falar sozinha. Por vezes apanho-a distraída E aí sopro os bons dias primeiro. Abrando e aguardo a resposta Que me ilumina o resto do dia. Ao passar tiraria o chapéu, por certo ...isto se o tivesse. Tenho mesmo de arranjar um chapéu... É isso! Um Fedora, como o meu avô. Dar-me-á o ar distinto que a ocasião pede Irá gostar, por certo, mas não posso ter a certeza: Nunca lá entrei; nem espreitei; Apenas vi o sorriso da caixa de correio entreaberta À espera de novas em forma de carta Escrever-lhe-ei uma carta, Sim, da próxima vez que passar Hoje não, que já lá não passo de novo.

A poesia não serve para nada

A poesia não serve para nada Não serve mesmo! Após longa reflexão e depois de muitas leituras sobre o assunto, chego à feliz conclusão que a poesia não serve mesmo para nada. Não lhe vejo qualquer serventia ou utilidade. Acho mesmo que deve ser a coisa mais inútil do mundo. De todas as invenções humanas, a poesia deve ser muito provavelmente a pior, logo a seguir, é claro, ao tapete voador (como é que alguém limpa os pés num tapete voador!??) Comparando com o “clip”, que praticamente dá para fazer tudo o que se consiga imaginar, a poesia cora de vergonha perante a sua completa inutilidade. Aqueles que ocupam o seu tempo a escrever poesia são uns verdadeiros tontos, que se deviam ocupar a escrever coisas, é claro, mais úteis: ofícios, palpites para o placard, notícias, sei lá bem…qualquer coisa que menos ocupe uma página inteira e não desperdice os restos das linhas. A esses tontos, para além de serem um bando de preguiçosos, deve faltar muito vocabulário pois deixam muitas vezes ...