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Pantomima

Pantomima Entre dois olhares, Desejo, Angústia certa, Que aperta E desfaz! E regressa, Curioso... Entre dois olhares A vida, Ora cheia e semântica. Ora ridícula e vazia. E isto é, afinal, apenas nada. Folhas que caem, Tempo que se gasta, Carne que morre. E o olhar, Aquele primeiro olhar, Que traz o brilho do sonho em anexo, Aquele que incessantemente busco, Não mais aparece. Fecha-se o pano, aplauda o público. Por hoje, a peça acabou. João da Cunha / 2017

wise nonsense

Wise nonsense Um sorriso, uma flor, um beijo, e um soluço puxado da lágrima que cai E me atira ao frio da pedra. Estremecer, frio Sonhar que aquece Pedra chão Pedra casa Frio meu Frio pedra Um beijo, um sorriso, uma flor e perder-me num abismo das cores, querer cair onde não há chão Repetir Cair sempre Cair cor Abismo chão Uma flor, um beijo, um sorriso e uma imagem para sempre guardada Momento eterno Tempo pára Tempo pára Tempo não pára! João da Cunha/2017

Tempo melancolia

Tempo melancolia Quanto tempo aguento? Quanto tempo falta para não ter mais tempo nenhum? Quanto tempo falta para ter o tempo todo? Quanto tempo falta para que os olhos brilhem e se espantem? Quanto tempo falta para sorrir e me deixar levar no riso? Quantas horas, minutos, segundos me restam esperar para respirar de novo Quanto tempo me deixarei ficar, aqui, submerso nesta água que arrasta os dias pelas ruas da melancolia, e me lembro, num assombro de realismo, que no meu relógio não me falta segundo, minuto ou hora alguma, que o tempo está todo aqui e agora e que o brilho reaparece, assim que olhar no ângulo certo. João da Cunha /2017
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Crónica "Dei por mim a pensar..."

E se o sorriso não sai

E se o sorriso não sai Preso, amordaçado É um mundo que cai É cheiro de derrotado. Nem desejos  Nem memórias Nem flores na terra morta,  nem abril  nem águas a mil que lavem as rugas tristes. Jcs2017

Hoje

Hoje A palavra está difícil, Parece encravada, de língua lenta. Parece que pesa Por estar presa. E eu, preso, peso letra a letra, numa lentidão desesperante. E não há assunto que a solte, Não há tema que a exalte, Agora que tudo se exalta. Venha o verbo fácil Que tudo diz, Que voa às costas do vento. Venha essa energia De tudo querer dizer. Venha tudo isso, mas não hoje… Hoje, não. Não as procuro mais, Se a vontade não as leva ao papel… Que fiquem a vaguear por aí. Jcs/2017

Há um pássaro que de manhã me acorda

Há um pássaro que de manhã me acorda Num chilrear de alegre canto E eu, surpreso, não pelo canto, Mas sim, surpreendido Com o meu próprio espanto. Como se não fosse normal Um pássaro cantar E eu, de habituado, Não me espantar. Há! Como é bom sentir Que afinal, ainda me espanto, Que os sentidos, afinal, Ainda me trazem, logo pelo espreguiçar do sol nuances sonoros, tons melódicos, e me recordam que viver, é sentir; é reagir; é sair da gruta; é lamber com gula todos os raios de sol e sorver uma a uma todas as gotas da chuva. Não pares, pássaro, Continua a tua missão De me saber vivo, Ciente de que existo E, nem que seja só Pelo som do teu canto, Lembrar a minha humanidade. JCs2017

Expira

Expira, Solta de um só lanço o ar cansado, Esse ar sujo, macilento e pesado. Inspira, Deixa-te preencher na cadência certa, pelo aroma da rosa que te desperta. Expira, Liberta-te do peso do ar rarefeito, Que estreito te comprime o peito. Inspira, Há no ar novo uma força que arrasta, Cheio de promessas efémeras que o tempo logo afasta. Expira, Inspira, Expira, Inspira. JCS2017

Eliminar o mofo

Eliminar o mofo Sofrer é ver antes a inevitável tempestade que nunca vai abrandar. Sofrer é antever o trovão sem ver o raio E nada ser capaz de fazer para o parar. Sofrer é ver o mundo num regresso óbvio, Catástrofe em tempo real…tão real…tão real. Calem-me o gajo! Prendam-lhe as mãos, Retirem-lhe a coroa e ceptro … Afastem-lhe a mão dos botões. Afastem-lhe a mão dos botões. Com bolos se enganam os tolos E todos gostam de bolos, mesmo que feitos por tolos Dá para pensar… Dividir para reinar Dá que pensar Será assim tolo Aquele que por tolo Se faz passar? Mesmo assim… Afastem-lhe a mão dos botões Enquanto penso para com os meus Que a culpa é também toda minha Que não me levantei, Que não me importei E que com o meu ar de superioridade abri caminho ao bisonte albino. Que na sua irracional esperteza Na sua estupidez galante Nos levará, de novo, a uma guerra errante. Ainda há tempo! Há que chamar alguém Que lhe dê o antibiótico certo. Por vezes penso, Se...

Diário de um vagabundo chamado Billy Tord ou viagens ao sótão panorâmico 1

Diário de um vagabundo chamado Billy Tord ou viagens ao sótão panorâmico João Cunha Silva 19 de Janeiro de 1973 Dizem que não necessitamos de nada que não seja dado pela natureza. Acredito mesmo que para matar o tempo livre começamos a inventar coisas supérfluas, só para nos entretermos e fugirmos daquele medo ancestral de estarmos sozinhos. A verdade é que não nos suportamos. Seria cansativo e odioso conseguirmos viver connosco próprios. A dependência dos outros é assim a droga mais viciante, mesmo que o outro esteja lá apenas de corpo presente, sem se mexer, como uma jarra com plantas artificiais e para sempre mortas no seu interior. Detestamos também a sensação de termos que lidar com as nossas falhas e preferimos sempre que seja alguém a apontar, uma a uma, essas mesmas falhas. Penso mesmo que se não fossem essas anormalidades comportamentais, passaríamos pela tempestade dos dias sem que notassem a nossa presença. Aprendi a estar sozinho. Continuo a aperfeiçoar essa arte n...