Agora conto eu… Ensaio sobre o absurdo! - Publicado no Gaia Semanário 13/8/2015

Agora conto eu… João Cunha Silva
Publicado no Gaia Semanário 13/8/2015

Ensaio sobre o absurdo!

Uma das piores coisas que nos pode acontecer é imaginarmos uma situação absurda, (ou nem sequer a conseguir imaginar, de tão absurda), e passado algum tempo sermos confrontados com essa mesma realidade. Não há nada pior para o nosso ego! Por um lado revela que a nossa imaginação é muito limitada, e que os nossos horizontes são de alguma forma curtos; por outro lado revela que não estamos bem enquadrados com o mundo em que vivemos e que há toda outra realidade que nos ultrapassa e o que nos parece absurdo, afinal não é assim tanto.

São vários exemplos de absurdidades que me lembro para ilustrar esta situação. Se perguntassem a qualquer contemporâneo da segunda Grande Guerra que 6 000 000 (seis milhões) de pessoas seriam mortas de forma industrializada, todos achariam absurdo; no entanto aconteceu; pela mesma altura se perguntassem às mesmas pessoas se algum dia seriam lançadas bombas que destruíssem cidades inteiras de uma só vez, todos achariam absurdo. Mesmo que fosse tecnicamente possível, isso nunca seria feito; no entanto faz este mês 70 anos que as bombas “Little Boy” e “Fat Man” arrasaram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. O absurdo novamente aconteceu.

E não faltam mais exemplos e nem será necessário ir a grandes enciclopédias e a manuais de história, (se bem que isso não faça mal nenhum). Basta abrir os jornais diários para vermos testados os nossos limites de absurdidade. Há dez anos (isto para ser cuidadoso com os espaços temporais) alguém imaginaria que um ex-Primeiro-Ministro estivesse preso, isto sem recorrer à piada fácil e à vox populi que normalmente qualifica os políticos. Nem aqueles que o queriam muito, com ou sem razão, acreditavam mesmo que isso fosse possível. Era absurdo? Era, mas mais uma vez aconteceu. E sobre o BES a mesma coisa. O absurdo novamente a pregar partidas à nossa imaginação. E a revolta social, justa, devo dizer, motivada pela morte do leão Cecil, comparada com a quase indiferença com que se tratam as mortes diárias dos refugiados que tentam entrar na europa. É absurdo não é? Mas está a acontecer mesmo agora!

Apesar de tudo, há um lado positivo na busca do que para os outros é absurdo; atrevo-me a dizer que depende quase sempre da salubridade dos sonhos. Vejamos: quando Kennedy disse em 1961 que antes do final dessa mesma década tinha como grande objetivo colocar um homem na Lua, e trazê-lo de volta vivo, uma grande maioria deve ter achado absurdo, muitos dos quais elementos da própria NASA. Neste caso ainda bem que o absurdo aconteceu. E a circum-navegação de Fernão de Magalhães? Absurdo aos olhos de muitos, por certo, mas aconteceu. E o que dizer de Galileu e a absurdidade de defender o Heliocentrismo? Absurdo por certo!

Se não se lutasse pelo absurdo ainda haveria escravos, as mulheres não votariam, as crianças não tinham direito a ser crianças, a democracia, mesmo que aparente, não existiria. Para uns, todos estes passos foram passos dados no absurdo. (Ainda bem que alguém acreditou que o absurdo era o inverso.)

Há este lado positivo da procura pelo absurdo; este alargamento contínuo dos nossos limites e das nossas possibilidades enquanto humanos. Muitos disseram que seria absurdo tentar lançar um livro. Entretanto, lancei três e estou a dois meses de lançar o quarto e não consigo parar de escrever e de criar histórias. Se me perguntassem há pouco mais de quatro anos se eu imaginaria isto, eu diria que era absurdo. Se calhar continua a ser… Às tantas, mesmo nos dias de hoje, continua a parecer absurdo um neto de um sapateiro e de um afinador de máquinas industriais querer ser escritor e não ter medo de o dizer e lutar por isso todos os dias que se levanta, independentemente da indiferença geral. Há por isso diferentes tipos de absurdos, mas que não deixam de ser absurdos, uma vez que contrariam a razão e a normal lei das coisas, com que muitos gostam de viver.

Por isso, dotar-me-ei de metas impossíveis, objetivos intransponíveis e de absurdos saudáveis. Essa será a minha revolta, acho mesmo que sempre foi e sempre será, pois não me importo de continuar como Sísifo, a carregar a pedra do meu sonho até ao ponto mais alto da montanha, para quando ela inevitavelmente descer, a fazer subir de novo, e de novo, e de novo… Mas isto pode muito bem ser um absurdo.

João Cunha Silva

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Pantomima

#Paris