Particularmente público ou Publicamente particular?

Particularmente público ou Publicamente particular?

Convém desde já fazer a minha declaração de interesses para que não haja equívocos. Todo o meu percurso de aluno foi feito em escolas públicas, desde o ensino primário ao ensino pós-graduado. Como docente, grande parte do meu percurso foi feito em escolas públicas. No entanto, neste último ano abracei alguns projetos em instituições privadas, onde estou a desenvolver a minha atividade profissional. Conheço, por isso, as vantagens e desvantagens de cada um dos lados, as suas limitações e méritos, mas não é exatamente isso que está aqui em discussão. Não pretendo abordar aqui qualquer questão relacionada com a qualidade de ensino, até porque as variáveis são muitas e seria necessária uma análise exaustiva a cada caso, que não tem lugar no espaço destinado a esta crónica.
Para os que seguem os meus textos, sabem que defendo de forma acérrima aquilo que chamo como “consciência da escolha”, ou seja, que o estado e a sociedade devem lutar por dotar todos os cidadãos da melhor informação possível, para que estes possam fazer as melhores escolhas possíveis em todas as suas decisões, ao longo de toda a sua vida. A escolha da escola onde estudam os nossos filhos é uma daquelas poucas decisões fundamentais que temos de fazer na nossa vida e que influenciará de forma dramática o seu futuro, a sua mundividência e os seus desafios. Mas será que temos mesmo esse poder de escolha? Na verdade, apenas alguns o têm.
Se me dessem a escolher uma escola, e se a liberdade de acesso fosse mesmo real, eu não teria dúvidas onde colocar a minha filha. A questão é que o acesso não é livre, e com toda a certeza eu não poderia pagar a propina da escola da minha escolha. Na verdade, não temos liberdade de escolha. No final, é sempre o recheio da nossa carteira ou conta bancária que funciona como fator decisivo. Mas se os pais podem e acreditam na mais-valia do projeto educativo de um determinado colégio ou escola privada, seja por que motivo for, porque não haverão de colocar lá os seus filhos?
O problema não é a liberdade de escolha, como tenho ouvido por aí. Esse argumento é falso. Eu posso sempre ter a liberdade de escolher o melhor carro, o melhor bife, as melhores roupas. Ninguém me tira esse direito…desde que eu exerça o dever de pagar. Ninguém no seu perfeito juízo pode querer que eu pague as suas escolhas quando existem outras possíveis e mais comportáveis. Querer, bem podem, mas logo recebem de volta aquele gesto característico de alguns bonecos de Bordalo Pinheiro. Se eu quero diferente e melhor do que aquilo que o estado oferece tenho de estar preparado para pagar a diferença.
Há muita areia no ar e custa-me ver isto discutido como se fosse uma luta entre o ensino público e o ensino privado. Não é! A discussão aqui é com aqueles casos híbridos que são privados, mas não chegam a ser bem, que são como os públicos, mas afinal não são bem; refiro-me aos tais particularmente públicos ou publicamente particulares.
A verdadeira questão que se deve colocar é se o estado poderá continuar a financiar turmas numa escola privada, quando a 3,4 kms tem um estabelecimento da sua rede com falta de alunos. Sei que parece estranho… mas acontece. Tendo em vista que os contratos de associação nasceram para suprir as necessidades existentes, derivadas da massificação do ensino na década de 80 do século passado, parece ser um pouco estranho que se mantenham mesmo depois de todo o investimento que se fez na renovação do parque escolar.
Há uma necessidade urgente de verificar constantemente se ainda existe essa necessidade excecional de financiamento de turmas nestas instituições, que por ser excecional não pode ser vista como uma regra. E caso se verifique essa excecionalidade, não vejo qualquer inconveniente que se faça um contrato de associação, nem tenho qualquer preconceito sobre o assunto. Mas, nesse caso, e já que falamos de direitos e deveres, por que não exigir às instituições que tenham essa parceria com o estado, que os seus trabalhadores, pessoal docente e não docente, tenham horários e salários equivalentes aos trabalhadores da função pública. É que por vezes, ou melhor, quase sempre, estes ganhos de eficiência, reclamados por estes híbridos, são feitos à custa da exploração dos seus trabalhadores e nunca com redução dos lucros.
Pode até existir, mas nunca vi nenhuma instituição privada a fazer o papel que cabe ao estado, se isso não lhe der lucro ou trouxer mais-valias. Mas admito que posso estar errado…provem-me o contrário!

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