Agora conto eu…Qual é a parte que não entendes?
Agora conto
eu…Qual é a parte que não entendes?
João Cunha Silva
Adverti numa crónica anterior que não acharia muita piada que me dissessem
que era muito humano, poderia até considerar que me estariam a insultar. Claro
que usei a figura da ironia para me expressar, no entanto, as ironias
desaparecem quando o que seria pouco usual, passa a ser hábito e costume.
Perante os acontecimentos das últimas semanas senti-me cada vez com mais
vergonha de pertencer a esta espécie, mas à falta de alternativa, lá me tenho
de contentar com o que é positivo no ser humano. Nem todos se comportam como
bestas, nem todos são dotados de um QE (Quociente de Estupidez) fora do comum.
Há bons exemplos; há humanos realmente bons, que se entregam aos outros e que
fazem realmente a diferença e nos lembram que afinal ainda há esperança. Mas é
difícil… claro que é difícil. A vida ensina-nos que precisamos desses exemplos,
desses faróis de humanidade para nos sentirmos melhor no final do dia.
No entanto, essa não é a regra. Por todo lado vejo imagens que pensei que
só veria em filmes sobre a segunda guerra mundial: deslocações maciças de
populações; cidades destruídas por bombardeamentos; civis usados como muralha;
ódios xenófobos; comboios cheios de gente que mentem sobre o destino; pessoas
marcadas na pele com números, repórteres de imagem a dar pontapés e rasteirar
refugiados… é impensável ver isto seja em que contexto for. O certo é que isto
é tão aqui e agora, que fico assustado, pois sei muito bem para onde é que isto
nos leva. Ora, isto faz-me pensar em algumas frases feitas como aquela de que
quem não conhece a história se arrisca seriamente a repeti-la. Neste momento
urge uma resposta eficaz e séria e um conhecimento despoluído de meias verdades
e /ou falsidades.
Convoco-vos mesmo para consultarem um mapa de forma a saberem onde fica a
Síria; conhecerem as condições vividas por aquela população atacada por três
guerras; informar-se sobre os motivos destas migrações de refugiados; verem
imagens das suas cidades completamente destruídas de forma a perceber, de uma
vez por todas, o que se está realmente a passar. Dessa forma já conseguem tirar
as vossas conclusões de forma fundamentada.
A semana passada, todos ficamos perplexos e chocados com a imagem daquela
criança encontrada numa praia da Turquia. Nem podia ser de outra forma… Como
pai apetece-me desviar o olhar e não acreditar no que estou a ver. Também como
pai não consigo imaginar o desespero daquele pai, mas imagino o desespero que
deveria viver para arriscar uma travessia fatal como aquela e que teve aquele
desfecho. Perante este drama multiplicado tantas vezes nos últimos dias,
custa-me ver as pessoas de máquina de calcular, cheias de reservas mentais e
argumentos primários, quando o único pensamento deveria estar centrado na forma
como deveríamos resolver este drama. Mas não, somos bombardeados com argumentos
como o medo, a ignorância e a mentira, insinuando que não poderemos ajudar os
outros enquanto tivermos pobres em Portugal. Quando foi a última vez que
fizeram alguma coisa para que esses diminuíssem?
É preciso que não se espalhem os ventos de xenofobia que mais cedo ou mais
tarde só poderão trazer maus resultados. Proponho mesmo que estes indivíduos de
alto QE, uma vez que acham que não existe motivo para que estas pessoas peçam
ajuda e não merecem uma nova oportunidade num outro país, que se proponham a ir
viver para o país de onde todas estas pessoas vieram. Por vezes, ou melhor,
quase sempre, o choque com a realidade acorda as consciências. Por isso, agora
mais do que fazer muitas perguntas ou contas é a hora de ajudar. Qual é a parte
que não entendes?
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