Voo em outubro (paradoxo)


Hoje vi-te.

Segui o teu voo por breves segundos.
Três segundo apenas.
Três segundos de um voo alegre e leve.
Acho que estavas feliz… só podias estar feliz!
Voavas! Desenhaste letras indecifráveis no ar, e eu,
nesses poucos segundos, senti inveja
da forma como vencias o ar, como corrias sem te sujares de pó,
como percorrias leve sem deixar marcas ou pegadas.
Como poderia não sentir inveja? Eu, que me arrasto, pesado,
por caminhos feitos
Alguma coisa me terá distraído … porventura eu próprio,
mergulhado nestes pensamentos tristes.
Ter-me-ei lembrado da crueldade dos dias que passam,
Incessantes … arrasto que tudo leva à sua passagem. Cruel.
Incessantemente cruel.
Compasso certo, forte e eficaz… inevitável!
Trouxeram-te de volta aos meus olhos, e tu, ainda feliz (deduzo),
Inconsciente destes meus murmúrios, 
desenhavas de novo letras no ar.
O vento fresco no rosto tornou-te paradoxo de ti própria. 
Esse teu voo fresco
Não deveria ter lugar em outubro. 
Deverias estar numa outra primavera e agora
Estarias morta ou cansada dos dias estivais festivos.
Mas, eis-te aqui leve e fresca e feliz (quero crer) 
a voar no mês de outubro.
Sei agora que não foi inveja o que senti, 
mas sim a lembrança que, afinal, 
é o impossível que nos impele. 
E se tu, frágil e bela borboleta, 
ousas voar em outubro,
sei, então, que nem tudo está perdido.

JCS 10/2018

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