O ar de ABRIL
O ar de ABRIL
Parece que este ano se festejou ABRIL. Sim, parece que o ar está mais leve,
e que, passados uns quatro pesarosos anos, deu vontade de respirar o aroma dos
cravos que invadem as ruas e lapelas do nosso país. Sente-se no ar um ar fresco
das possibilidades e um libertar das algemas das inevitabilidades. Mas posso a
estar a ser ingénuo, romântico ou até quem sabe enganado. No entanto há este
cheiro a uma nova utopia que tornam presentes os valores daquele mês primaveril.
Nascido em 1978, nada posso comparar, nada posso afirmar de um tempo que não
vivi. Felizmente, não sei o que é uma ditadura sem ser por aquilo que me
contaram, sem ser por aquilo que li ou sem ser pelo que vi e vejo nas notícias
ou em documentários; nunca lutei pela liberdade, nem nunca lutei pela liberdade
de expressão, pois nunca me faltaram e sempre tomei como certas. No entanto,
não há nenhum valor de ABRIL no qual eu não me reveja, não há nenhum valor de ABRIL
que eu não ache justo e desejável para a sociedade em que vivo.
Por isso mesmo, nunca me abstive nos meus diferentes papéis sociais de
ensinar e divulgar os valores de ABRIL. Mesmo sem frequentar aquelas cerimónias
de discurso chato, formal e por vezes bolorento, onde se discute o pai da
criança, uso o meu cravo todos os dias e não o reservo apenas para um hastear
de bandeira efémero. Reconheço a importância destes momentos, mas a minha forma
de celebrar ABRIL é a minha luta diária pela concretização da utopia de ABRIL;
a luta constante contra as desigualdades, mas principalmente as batalhas
diárias que travo contra os diferentes tipos de analfabetismo. Não há
verdadeira liberdade sem uma verdadeira consciência da escolha; não há
liberdade sem um esclarecimento social; não há liberdade sem literacia; não há
liberdade sem a igualdade de acesso a eventos culturais que não sejam foguetes
a estourar nos ouvidos; não há liberdade se não existir o direito à preservação
do espaço físico, histórico e cultural de uma terra ou de um povo, ou pelo menos
não há liberdade se não se escutar a vontade desse povo. Finalmente não há
liberdade sem a responsabilidade de deixarmos um mundo melhor para os que se
seguem. É por isso que eu gosto do ar de ABRIL: é um despertador anual sobre as
coisas que há para fazer, sobre a vergonha do que ainda não fizemos por
tacticismos, ou mesmo por laxismos vários.
ABRIL é transversal aos valores humanos; ABRIL é independente das cores
partidárias; ABRIL é liberdade, revolução, cravos, Salgueiro Maia,
reconstrução, ideal, utopia. ABRIL é a minha utopia.
E um polo da Biblioteca de Gaia em Crestuma será mesmo assim tão difícil
que se possa chamar uma utopia?
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