Diálogos (im)prováveis
Já não há animais para histórias!
- Mas tu disseste que já não havia mais animais! Já não percebo nada…
- O que eu quero dizer é que parece que já não há mais animais para
escrever histórias. Estou a tentar escrever uma história nova e já não tenho
animais disponíveis. Ele é cãezinhos e cachorros de todas as cores e feitios;
leões, zebras, elefantes e restante companhia do zoológico, coelhos, sapos,
grilos, formigas, pássaros, mochos, corujas, esquilos, ratos, hamsters, iguanas
e até o menos provável se tornou uma superestrela!
- Qual, a hiena?
- Não, o ornitorrinco! Até esse virou animal de estimação e agente secreto
nas horas livres.
- Pois é… não te sobram muitos, pois
não… E se fosse uma gaivota?
- Já temos o Fernão Capelo Gaivota…
- E porque é que tem de ter um animal?
- Pois… não sei muito bem, nem pensei muito nisso… deve ser influência das
fábulas de La Fontaine! Mas é uma boa pergunta… agora que falas nisso até parece
que existe uma regra em que as histórias que se contam aos mais novos devem ter
sempre um animal lá para o meio!
-Mas eu gosto de animais… e tu… espera aí… não foste tu que escreveste a
história do Pintas, um cão todo fofinho e outra história onde aparece uma
formiga e um guarda-rios? Tu também gostas de animais e até escreves sobre
eles!
-Claro que gosto! Mas agora não me lembro de nenhum para uma história nova,
parecem todas iguais. Muda o animal e afinal estamos a falar de pessoas: umas
boas, umas más, umas divertidas, outras carrancudas… não há animais
preguiçosos, nem demasiado trabalhadores…
- Não há!? E a cigarra e a formiga!? A cigarra preguiçosa a cantarolar e a
formiga sempre a trabalhar…
- Não é preguiça… é a maneira dela. Uma cigarra é sempre assim, mas não a
imagines deitada no sofá! Quem se deita no sofá são as pessoas!
- Estás a dizer que as pessoas são cigarras.
-Algumas são preguiçosas, mas a cigarra e apenas cigarra. Nós é que
imaginamos estas coisas nos animais porque temos vergonha de dizer que tudo
aquilo, somos nós!
-AH, já estou a perceber… espera aí… quando querias que o Pintas
partilhasse, era eu?
- Sim, tinhas entrado para a escolinha e queria que soubesses partilhar,
pois a partir daquele momento os brinquedos eram de todos!
- O quê! Eu sou o Pintas…
- Sim, tu entras um bocadinho nas minhas histórias todas. Ficaste chateada?
- Não… sei lá! Por vezes acho que as pessoas deveriam ser mais sinceras e
não usar os animais como desculpa!
- Mas…
- Sim, papá, se me querias dizer para partilhar, deverias ter dito logo e
não andar com rodeios com cães para a frente e para trás.
- Mas gostaste do Pintas, não gostaste?
- Sim, gostei, mas inventaste um bocadinho… um cão de mochila a ir para a
escola e aprender os ossos do seu próprio corpo…acho que foi um bocadinho de
mais. ~
- Agora que o dizes… Sabes, quando se inventa uma personagem animal, parece
que temos mais liberdade e às vezes podemos dizes as coisas sem que ninguém
pense que lhe estamos a corrigir ou a ensinar alguma coisa.
- Ah… agora já descobri… tu também pensas que as histórias para os mais
novos apenas servem para nos ensinar alguma coisa!
- Não diria que apenas servem… mas também servem!
- Já não chega a mãe e tu, os professores, e todos s outros adultos a nos
querer ensinar tudo e mais alguma coisa… e estás a dizer-me que os livros
também são manuais de instruções.
- Não diria manuais de instruções…mas… não sei o que te diga.
- Não digas mais nada… nunca mais vou ler… Quero livros que me façam
brincar e sonhar e que não me preguem sermões… eu sei lavar os dentes, sei que
tenho de estudar, sei que não posso maltratar os outros e sei que devo
respeitar os mais velhos, por isso basta!
- Não fiques assim… há outros meninos e meninas que não sabem e pode ser
importante aprender isso com as personagens dos livros!
- Pois, se é importante que sejam os adultos a dizer, e não precisam de
nenhuma girafa que venha dizer que é importante deitar cedo, ou de um coelho
que nos mande fazer os trabalhos de casa.
- Concordo contigo…mas assim é mais fácil, é que nem sempre temos coragem
de dizer as coisas como são.
- Mas deviam tirar as histórias disso! Os animais deveriam viver como
sempre vivem, sem estarem presos ao que queremos que eles nos digam. Por favor
papá… não faças histórias com animais falantes repletos de sermões e lições de
boas maneiras.
-Posso tentar… nem mesmo de borboletas?
- Papá!... Prometes?
-Prometo!
- Agora conta-me uma história, mas já sabes as regras!
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