Carta

Carta

Há quanto tempo não recebo uma carta!
Hoje queria ir à caixa do correio e ter uma carta à minha espera. É certo que devo ter algumas à minha espera, mas dessas…tento despachá-las o mais que posso com o débito direto. Se ao menos fossem pessoais e se dirigissem de forma menos mecânica, até poderiam dar uma qualquer alegria. Imaginem só, lá de um departamento qualquer da EDP a dizerem:
“Caro João,
Como tens passado? Escrevo-te esta carta na esperança que estejas bem. Por cá as coisas estão a correr bem e as barragens continuam a produzir eletricidade com fartura. Espero que tenhas tido poucas falhas de luz e que consigas ter energia para continuar a escrever com muita inspiração. Envio por esta carta um beijinho muito grande para a Maria e desejo que ela esteja muito feliz na sua nova escola. A conta deste mês são 49 euros e 28 cêntimos. Quando puderes passa por aqui e pomos a conversa em dia.
Abraço deste teu amigo da EDP”
Custava de igual modo a pagar, mas acho que até pagava com mais prazer (difícil, mas isto é um jogo de faz-de-conta).
Fazem-me falta as cartas. O que eu queria mesmo era daquelas cartas manuscritas de caligrafia cuidada e de palavras escolhidas uma a uma, pesando as interpretações possíveis de cada frase. Queria daquelas cartas que são o resultado de muitos papéis amarrotados fruto de tentativas falhadas. Queria daquelas cartas em que o tempo da sua escrita me fosse dado, só a mim, como um presente único e raro, mesmo que fosse apenas para descrever o tempo do outro lado da janela. Queria uma carta em que eu conseguisse ver as hesitações na fraqueza da tinta e a determinação nos vales criados pela esfera da caneta. Queria uma carta que tornasse quem a escreveu sempre presente numa imortalidade garantida em cada traço de cada “t”, na pintinha de cada “i“ e em cada curva desenhada de cada letra. Depois guardaria essa carta nas caixas onde se guardam os tesouros para que mais tarde a descobrissem e escrevessem histórias sobre ela.
Preocupa-me que os nossos baús de hoje sejam servidores informáticos distantes, inacessíveis aos meus futuros netos e sem possibilidade de desencadear histórias e de tornar as memórias vivas. Hoje é mais fácil esquecer, tudo desaparece com o desligar da ficha.

Escrevam cartas. Sim, de amor, de amizade, de coisa nenhuma! Escrevam cartas para contar os episódios da novela, relatar os feitos dos filhos e dos netos ou a agradecer a conta da luz! Escrevam a quem está longe, mas também a quem está perto e guardem as respostas na caixinha dos vossos tesouros. Alguém os descobrirá!

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