Agora conto eu…a fotografia
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Há qualquer coisa que me inquieta naquele olhar. Enigmático…Não consigo
muito bem perceber o motivo, mas nunca mais a consegui esquecer aquela
expressão sonhadora de quem tem o mundo para conhecer. Não mostra um sorriso aberto;
sente-se, no entanto, que está confiante e preenchido por alegria. É isso! Vontade
de vida, vontade de realizar os sonhos; vontade de fazer de cada passo que dá um
passo memorável. Por vezes dá nisto… uma pausa no tempo e apercebemo-nos que
temos uma vida atrás de nós. Olhando os olhos daquele menino pergunto-me se o
traí, se calquei os seus sonhos em busca do nada. E que sonhos teria aquele
menino de olhos brilhantes? Sei que queria ser astronauta! Ficaria ele zangado,
triste e desiludido por eu nunca ter ido à Lua, nunca ter visitado um planeta
distante, nunca ter sequer vestido um fato espacial? O que me diriam aqueles
olhos nesse momento? Perderiam o brilho, ou dar-me-iam um beijo doce com que as
crianças perdoam os adultos pelas desilusões que lhes causam. Não
sei…sinceramente não sei o que me diria. Prometi-lhe que sonharia sempre, que
lutaria sempre por manter a minha luz acesa e que nunca viraria um adulto
amargo, cínico e descrente. Acho que não me tornei nada disso, mas preciso
manter-me vigilante. Acho que me desculparia não ter ido à lua. Consigo mesmo
imaginar que diria em forma de consolo, de uma forma simples e despreocupada,
que eu deixasse lá e que ainda iria a tempo. Eu diria que sim, como muitas
vezes dizemos, mesmo sem acreditar, e viraria a cara para que ele não visse a
tristeza e o falhanço nos meus olhos. Mas há mais… de súbito um sobressalto me
assola: ao ver aquela fotografia vi mais do que a mim próprio: vi-a.
Encontrei-a em mim próprio; o mesmo brilho nos olhos, a mesma crença, a mesma
vontade de sonhar e de correr atrás desse mesmo sonho. Tudo esteve sempre lá,
eu é que não vi! Só me resta agora fazer a mesma jura, prometer-lhe que lutarei
sempre para que a sua própria luz nunca se apague e assim mantenha a minha
sempre acesa.
2
Ao lado dessa fotografia, de volta ao meu próprio tempo depois da viagem
que fiz, uma outra fotografia surpreende-me pela sua simplicidade e capacidade
narrativa: o meu pai, em Moçambique, contemplando uma fotografia da minha mãe e
ali a desenhar-se uma vida na cabeça dos dois. Esse desenho fará, no próximo
dia 31 de outubro, 50 anos. É uma data muito alegre para nós todos, pois
podemos manifestar de uma forma explícita a nossa profunda admiração por estes
dois seres humanos de quem tenho a sorte de ser filho. Não foram anos somados,
mas sim 50 anos de multiplicados afetos e carinhos e 50 anos de construção de
um ninho feliz e quente para todos. Obrigado João e Vitória, ou melhor,
obrigado pai, obrigado mãe!
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