Agora conto eu...Com um brilhozinho nos olhos…

Com um brilhozinho nos olhos…

João Cunha Silva

Cada episódio importante da nossa vida é marcado com um antes e um depois. Ocorrido o episódio, já não somos os mesmos: umas vezes para melhor, mas muitas outras para pior. Não quero falar dos que nos tornam piores, até porque nem todos os maus episódios nos tornam piores e nem todos os bons nos tornam melhores. Falarei apenas daqueles que bons ou maus, nos tornam melhores e nos ajudam a crescer. 
Não haverá nada mais marcante na vida de um ser humano do que a sua relação com a vida e a morte. Podemos fazer grandes feitos na nossa vida profissional; ter o maior dos êxitos nas nossas realizações; ser acarinhado ou odiado por multidões; ser um êxito no desporto, na escrita, na música… Podemos eventualmente alcançar isso tudo, mas nada nos marcará tão fundo como estas duas palavras: vida e morte.
Estabelecemos mesmo fronteiras entre um antes e um depois desses mesmos acontecimentos como não fazemos com mais nada. Infelizmente, usando um eufemismo, tenho já muitas estrelas no céu, cujo rosto recordo com muita saudade. No entanto, a morte do meu avô marcou a minha vida… e houve um antes e um depois. Na morte dele tive de me reencontrar; tive de me organizar… tive eventualmente de crescer. Era especial! Claro que era. A minha avó também era, e que falta me faz o seu olhar doce, o som da sua voz enquanto estonava batatas, a sua boa disposição e aquela trança enorme! Mas o meu avô… não sei nem quero tentar explicar: marcou tanto a minha vida, que a sua morte também teria de marcar. Não sei porque falo disso agora, mas há tanta coisa que lhe queria contar… Sei que me vê e acompanha todos os dias, e as minhas lembranças vivas das coisas que fizemos juntos, ultrapassam a memória da sua testa fria, daquele último dia que o vi. Nesse dia houve um antes e um depois. Da presença física à memória com que alimento os meus dias sem ele.
Mas não quero agora ficar perdido em melancolias, até porque a memória é um novelo e as linhas que me faltam não comportam tanto fio seco, quanto mais molhado com as lágrimas da saudade. Quero falar da outra parte do binómio do segundo parágrafo: falar da vida.

Quando o grande dia chega, imaginamos rostos, nomes, fantasias. Mas tudo muito no ar. Para quem não os traz no ventre, é uma ideia que começa a crescer na proporção da barriga, mas sem ainda saber exatamente o que é. Por muito que se fale para a barriga, racionalize, e mesmo que conscientemente se saiba que dentro da barriga inchada da nossa parceira está a nossa filha, ainda não há muita ligação. Para uma mãe é mais fácil (fácil o caraças! Dizem elas!) Deixem-me terminar… É mais fácil porque a ligação está feita desde sempre. Uma mãe sente o filho desde sempre, com ou sem esforço, quer o procure ou não, quer o deseje ou não… mas sente-o sempre! É instinto. Ponto final. Para um pai é mais difícil. A ligação tem de ser feita, criada. Apesar de toda a lengalenga das ecografias, ecografias tridimensionais e outras coisas que tais, eu só me senti verdadeiramente pai, quando a tive nos meus braços… só aí percebi que “aquilo” era o que estava dentro da barriga dela. Digam o contrário pais deste mundo! Sabem bem que é verdade! Já agora, a mim ninguém me deu uma droguinha qualquer para aguentar o parto e eu aguentei-me como um herói sem desmaiar, do princípio até ao fim! Desde esse dia qua a ligação tem de ser feita todos os dias. Para ser mãe basta ser mãe, mas para ser pai é preciso estar, participar, fazer parte do mundo. Antes que receba um camião de “hate mail “ por parte das mães, reafirmo com toda a certeza o papel único da mãe: não há volta a dar…pais (plural de pai) deste mundo, não vale a pena lutar contra isto: mãe é mãe. Depois lá sobra um bocadinho para nós e se não formos lestos, se nos permitirmos ser ausentes, indiferentes, e não reclamar para nós uma pontinha de atenção, muitas coisas inesquecíveis escapam-nos pelos dedos das nossas mãos como areia fina. Tentei reclamar o meu espaço nestes cinco anos e meio de pai. Nem sempre o consegui devo dizer; mas tentei. Nada na minha vida tem mais significado do que todos os momentos que a minha vida de pai me proporcionou e por isso quero continuar estar presente em todos os momentos possíveis do crescimento da minha filha. Nada quero perder e esta semana tive a sorte de a acompanhar ao seu primeiro dia de aulas. Que dia feliz…ela também gostou. Na minha vida há assim episódios marcantes, mas para já só a consigo dividir em AM e DM: ANTES DA MARIA e DEPOIS DA MARIA.

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