"Flash back" improvável
"Flash back" improvável
- Posso entrar?
- Limpa os pés, tira o chapéu!
- Assim já não quero! Sai tu!
- Eu nunca saio daqui!
- Pois não. Estás sempre aí, nunca sais. Estás sempre aí ou lá, sei lá.
- Entra lá com o chapéu, mas limpa os pés!
- Os meus pés não estão sujos! Nem eu! E tu, limpas os pés para sair de casa?
- Não sejas parvo!
- Por quê? Não posso ser parvo, usar chapéu e ter os pés sujos.
- Poder...podes, mas eu preferia que não...
- Por quê?
- Porque sim.
- Ah! Agora já entendo tudo, essa resposta esclareceu-me...
- Esclareceu-te?
- Sim, porque tens razão. Porque sim e basta. Boa resposta!
- Estás a ser irónico!
- Por quê?
- Porque sim.
- Tens resposta para tudo.
- E tu tens perguntas para tudo. E essas só pedem respostas destas!
- Entro eu ou sais tu. Um de nós tem de limpar os pés...
- Entra e limpa os teus.
- Sai e limpa os teus.
- Lá estás tu a delirar. Limpar os pés para sair de casa. Porquê?
- Porque sim. Quem disse que o sujo está cá fora e não aí dentro?
- Senta-te. Não vale a pena ficares em pé.
- Pode ser...
- Lembras-te?
- De quê?
- De tudo. De tudo que nós somos, de tudo que nós fomos, de tudo que fizemos e principalmente daquilo que não fizemos.
- Só me lembro daquilo que não fizemos. É estranho, não é?
- Não deixa de ser engraçado...Lembras-te quando não fomos ao mar? Foi maravilhoso, não foi?
- Foi transcendental, sublime...MAs achas que ter ido seria melhor?
- Não sei. Mas lembro-me de me ter sentido bem em não ter ido; não ter sentido a brisa do mar, de não ter sentido a frescura do Mundo ao mergulhar na água de todos e de ninguém, de não ter sentido o sal do mar a curar as minhas feridas, nem o sol a beijar a minha pele salgada...
- E areia colada nos nossos corpos nus. Isso fez-me lembrar que também não nos beijamos, nem nos abraçamos, nem fizemos amor nos lençóis de água salgada.
- Também me lembro disso.
- De não termos ido ao mar?
- Não, de não termos feito amor; de não termos rebolado entrelaçados; de não te ter tocado e de não sentir o teu toque.
- Também me lembro de não te ter cansada nos meus braços e de não ver a lua e o sol ao mesmo tempo.
- E nesse tempo todo, o que estivemos a fazer?
- Não me lembro...
- Nem eu...
- Mas lembro-me do poema que não me disseste nesse dia...aquele em inglês.
- Qual? Não me lembro!
- É natural, não mo disseste.
- Pois...
- Mas lembro-me de não ter escrito nenhum poema. Lembro-me de não te ter dito aquele poema inglês sobre a rapariga o mar. aquele poema que não te disse que era assim:
Grasp that moment of the day,
When you’re immensely happy;
When tears of joy fall speedily from your eyes.
Sing that moment;
sing it with your soul,
sing it with inner voice…
And then, let it echo in every cell of your body;
In every inch of your skin;In every bone that supports you;
And in every owned thought.
You will, then, freely swim across seas of blue;
Ride your rainbow to the pot of blessed gold…
The happy moment of your day...
- Pois! Foi esse mesmo que não me disseste! Lembras-te agora!
- Sim, agora lembro-me. Lembro-me de não te ter dito estas belas palavras, este belo poema.
- Eu também me lembro de não ter ficado enternecida com as tuas palavras, com o teu declamar de alma, com o teu mel de letras feito.
- E o que é que eu te disse?
- Não me lembro.
- Nem eu...
- Deita-te aqui comigo.
- O.K. pode ser. Já é de noite e todas estas recordações... bem estou cansado.
- Abraça-me...beija-me, deixa-me sentir-te, cheirar-te.
- Assim está bem?
- Só falta o mar, a areia, o sal e o poema...
- Mas temos o amar, que é um pouco de tudo...
- Ama-me, ama-me, ama-me, ama-me... Faz-me mar, sal, areia, poema...
- Mar, sal, areia, poema...
- Palavras de mel!
- Amo-te!
- Amo-te!
- Tenho sono.
- Como naquele dia?
- Que dia?
- Aquele...em que tu não sorriste.
- Foi triste aquele dia, não sorri, não ri, mas também não chorei.
- Eu também não chorei.
- Mas sorriste. Porquê?
- Não me lembro!
- Nem eu...
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